Governador Wilson Witzel Foto: Marcos Corrêa/PR |
Eleitos na onda de renovação das eleições de 2018 e com discurso contrário à política tradicional, os governadores de Santa Catarina, Amazonas e Rio viraram alvo de pedidos de impeachment por suspeitas de irregularidades em suas gestões durante a crise do novo coronavírus e por reclamações de falta de diálogo com o Legislativo. Caso os deputados estaduais deem seguimento aos processos, o Brasil pode ter o primeiro caso de impeachment de um governador desde 1957.
Naquele ano, a Assembleia Legislativa de Alagoas afastou
Muniz Falcão, até hoje o único chefe de Executivo estadual impedido de
continuar no cargo por decisão de parlamentares.
Para evitar o mesmo destino de Falcão, Wilson Witzel (PSC),
do Rio, e Carlos Moisés (PSL), de Santa Catarina, estão tentando mudar a
relação com os deputados estaduais, seja por meio da indicação de nomes que
agradam ao Legislativo para cuidar da articulação política, seja pagando
emendas prometidas aos parlamentares. Deputados ouvidos pelo Estadão ainda não
estão certos se isso será suficiente.
"Nosso sistema de separação de poderes requer uma
conversação constante entre Executivo e Legislativo", disse o cientista
político Luís Felipe G. da Graça, da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC). Segundo ele, governadores que fizeram campanha se apresentando como a
"nova política" menosprezaram a necessidade de montar uma base de
apoio na Assembleia. "Com a crise do coronavírus e as acusações de
corrupção que surgiram, essa falta de base de apoio se tornou perigosa para os
governadores."
No Amazonas, a situação de Wilson Lima (PSC) parece mais
tranquila, já que nem a oposição acredita que ele será afastado do cargo.
Apesar de ter sido alvo de operação da Polícia Federal, o governador cultiva
base suficiente no parlamento para evitar o processo.
Para o advogado Silvio Salata, especialista em Direito
Eleitoral, embora o impeachment siga uma regra jurídica, seu julgamento é
político. Daí a necessidade de articulação. "A falta de experiência do
político no exercício de mandato muitas vezes o leva a assumir determinadas
posições que podem comprometer o desempenho", disse.
Na avaliação do advogado Arthur Rollo, especializado em
Direito Público e Eleitoral, o mais importante no processo de impeachment é o
clima político, como manifestações de rua, e a pressão em cima dos deputados.
"Trata-se de um processo político O que interessa é ter maioria ou não. (O
presidente Jair) Bolsonaro, por exemplo, se aproximou do Centrão para garantir maioria
no Congresso e evitar que pedidos prosperem."
Pandemia
O pedido de impeachment de Witzel cita as suspeitas de
desvios na Saúde, que já levaram um ex-secretário, dois ex-subsecretários e
outros envolvidos à cadeia. Já o pedido contra Lima alega fraude na compra de
respiradores.
O caso de Carlos Moisés, porém, não tem ligação com a
pandemia. Assinado por um defensor público, o documento tem como foco o aumento
supostamente indevido dado a procuradores do Estado sem a aprovação de projeto
de lei na Assembleia Legislativa.
Witzel apresentará defesa
Do grupo de governadores que surpreenderam nas urnas em 2018,
Wilson Witzel (PSC) foi o primeiro a ter o processo de impeachment aberto, no
dia 10 de junho. Suspeito de participar de desvios na Saúde, o governador
fluminense vive, para além dos escândalos de contornos jurídicos, uma crise
política.
A relação com a Assembleia, que nunca foi das melhores, se
transformou em puro distanciamento após a deflagração da Operação Placebo, em
maio. Hoje não há, por exemplo, um deputado atuando como líder do governo na
Casa, desde que Márcio Pacheco (PSC) entregou o cargo, ainda em maio. Mesmo o
aliado Bruno Dauaire (PSC), que chegou a ocupar provisoriamente a função de
líder do governo na Assembleia no início deste mês, voltou atrás dois dias
depois.
Um dos motivos do afastamento de Pacheco foi a exoneração de
André Moura da Casa Civil - que retornou ao cargo na semana passada, numa
tentativa do governador de se aproximar dos deputados. Ex-deputado federal,
Moura já foi líder do governo de Michel Temer na Câmara dos Deputados e braço
direito de Eduardo Cunha. Ou seja, caberá a um expoente da "velha
política" tentar reverter o quadro desfavorável que Witzel enfrenta na
Alerj.
Deputados ouvidos pelo Estadão disseram que, apesar do
retorno de Moura ser bem-vindo por sua experiência política, nada muda por
enquanto no andamento do impeachment. A avaliação é a de que a maioria dos
integrantes da comissão especial que analisa o caso vote a favor do afastamento
do governador. Metade da comissão é formada por opositores. O restante são
deputados que devem votar sob orientação do presidente da Casa, André Ceciliano
(PT) - que, atualmente, é favorável.
Witzel tem até o fim desta semana para apresentar sua defesa
à comissão. Depois, o parecer ali elaborado será levado ao plenário, onde
estima-se que os defensores do governador não passam de dez. Bastam 36 dos 70
votos para o afastamento. Depois, forma-se um tribunal misto com parlamentares
e desembargadores para analisar a cassação.
As acusações de corrupção envolvendo contratos para o combate
ao coronavírus complicam a situação. Witzel é suspeito de estar envolvido nos
desvios - que já levaram o ex-secretário de Saúde Edmar Santos e integrantes do
segundo escalão à cadeia - e chegou a ser alvo de mandado de busca e apreensão.
A investigação está em andamento, e ele nega irregularidades.
No Amazonas, tendência de arquivamento
Nem a oposição acredita na continuidade do atual processo de
impeachment do governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC). Investigado por
suposta fraude na compra de respiradores durante a pandemia, Lima já foi alvo
de mandado de busca e apreensão e teve a prisão solicitada pela Polícia
Federal. O pedido não teve aval da Procuradoria-Geral da República e foi
rejeitado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
"Caminhamos para o arquivamento do processo", disse
o deputado estadual Wilker Barreto (Podemos), que faz oposição a Lima na Assembleia.
"Elementos jurídicos nós temos. O problema é que os deputados estão
ligados à estrutura do governo. A não cassação passou a ser uma sobrevivência
para eles."
Autores do pedido de impeachment, o presidente do Sindicato
dos Médicos do Amazonas, Mário Vianna, e a médica Patrícia Sicchar citam
sucateamento da rede hospitalar estadual, ausência de equipamentos e
medicamentos, além de indícios de corrupção. Segundo a investigação sobre
compra de respiradores, Lima teria dado a palavra final sobre contratos.
O governador sofre pressão também pela situação causada pelo
coronavírus no Estado. De acordo com o governo, houve, até anteontem, 3.199
mortes e 94.424 mil infectados.
Por outro lado, Lima construiu uma base na Assembleia
Legislativa - parte dela faz parte da comissão que analisa o impeachment.
Opositor, o presidente da Assembleia Legislativa, Josué Neto (PRTB), é outro
que não acredita no afastamento. Segundo ele, dez dos 17 integrantes da
comissão especial de impeachment votam com o governo.
Presidente da comissão e aliada de Lima, a deputada
Alessandra Campêlo (MDB), afirmou que fará uma análise técnica, jurídica e
imparcial do processo. Por enquanto, ela disse que achou parte das acusações
genérica. "Uma acusação genérica não pode condenar um governador. Uma
parte das denúncias é muito política. Outras partes têm mais técnica jurídica,
e nessas vou me aprofundar."
A defesa do governador afirma que não há comprovação mínima
de autoria e materialidade. "As informações não servem como base jurídica
hábil para um processo de impeachment", dizem os advogados. Para iniciar o
processo seria necessária "denúncia por crime de responsabilidade", o
que não ocorreu, segundo a defesa. Há outros sete pedidos de impeachment de
Lima aguardando análise da Assembleia, conforme Neto.
Falta de diálogo em SC
A falta de diálogo com parlamentares e a inexperiência em
cargos executivos são motivos apontados por deputados de Santa Catarina para
darem seguimento ao pedido de impeachment do governador Carlos Moisés (PSL). Até
o antigo líder do governo na Assembleia, Mauricio Eskudlark (PL), defendeu o
afastamento do governador.
Autorizado na semana passada, o processo de impeachment acusa
Moisés de crime de responsabilidade por ter dado aumento a procuradores do
Estado sem consultar os deputados. Segundo Eskudlark, a acusação é grave o
suficiente para justificar o afastamento. "É um fato comprovado, com
embasamento jurídico e que tem tudo para caminhar." Eskudlark é autor de
outro pedido de impeachment que trata da compra de respiradores superfaturados
e não entregues ao Estado.
O fato gerou a abertura de uma CPI, relatada por Ivan Naatz
(PL), para quem já há votos necessários para afastar o governador. "O
pagamento sem a autorização do Legislativo, com prejuízo já consolidado, junto
ao isolamento (do governo) criou a receita ideal para um afastamento",
afirmou.
Para que o processo avance, é preciso que 27 dos 40 deputados
(o equivalente a 2/3) concordem com o relatório da comissão especial de
impeachment.
Atual líder do governo, a deputada estadual Paulinha (PDT)
reconheceu que o Executivo tem fragilidades e é alvo de queixas por falta de
diálogo. Apesar de não saber quantos deputados votam declaradamente com o
governo, ela acredita que o número é suficiente para barrar o processo.
"São necessários 14 parlamentares (para barrar o impedimento). É pouco que
o governador precisa. Muitos têm empatia por ele."
A relação com a Assembleia ainda pode ser corrigida, segundo
a parlamentar. Na tentativa de melhorar a relação com o Legislativo, o governo
autorizou o repasse de mais de R$ 491 milhões em emendas parlamentares,
incluindo o valor que não havia sido pago em 2019. "É um sinal muito
expressivo do governo Uma forma de mostrar respeito aos deputados", disse
Paulinha. Naatz discordou: "Não existe relacionamento com a Assembleia. O
governo não tem um chefe da Casa Civil, não mandou um único projeto de lei de
impacto".
A assessoria de imprensa de Moisés afirmou, anteontem, que
não iria se manifestar, pois não havia sido notificada oficialmente sobre o
processo. Sobre o espaço vago na Casa Civil, disse que o subchefe da pasta
acumula a função, e o cargo nunca ficou vazio. As informações são do jornal O
Estado de S. Paulo.
Fonte: Estadão Conteúdo
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